A "Bruxa" era potiguar e esteve solta na Alemanha

17.5.10 | Marcadores:
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De todos os jogadores do Brasil que atuaram em uma Copa do Mundo, um - e, até aqui, apenas um - é potiguar. Em 1974, a "Bruxa" estava realmente solta na Alemanha, vestida de verde-amarelo, número 6 às costas e atendia pelo nome de Marinho Chagas!

O danado é que, passado tanto tempo, o homem continua "driblador" - há uns anos, a dupla Ribamar Cavalcante e Rogério Torquato "Blau" (e mais tarde alguns radialistas) tiveram que usar de marcação cerrada para encontrar o homem, considerado o Lateral do Século em todos os clubes brasileiros em que atuou... e conseguiram. A saúde, é verdade, não anda tão bem quanto antes, a idade e as circunstâncias pesam.

Certo é que a fama foi algo repentino para Marinho. Um dia, estava jogando umas "peladas" no Alecrim"; uma piscada de olho, e estava convocado por Zagallo. Mas, quem é ele?


No princípio, era Chiquinho


Era o comecinho de fevereiro de 1950, quase duas semanas antes do Carnaval, quando se ouviu o berreiro na casa 920 da rua Benjamin Constant, no Alecrim. Pronto, nasceu Chiquinho. Na identidade, Francisco das Chagas Marinho.



"Nasci e me criei ali (na Benjamin Constant)", contou o próprio. Os pais não tinham condição de comprar uma bola, e aí... "A gente pegava uma meia, enchia de pano, amarrava e saía jogando..."

Nisso de sair jogando, quando viu, estava no time da rua - sim, naquele tempo as ruas tinham seus "times", e no caso era o Benjamin Cosntant Futebol Clube, de Edval "Burro Preto". Nesse mesmo time jogaram, entre outros, Maia ("Ele estava começando"), Armando Viana (mais tarde técnico de futebol e radialista), Pedro Tapioca... "Jogávamos na Salgadeira, nas Quintas, em Igapó".


Das chuteiras dos manos ao time de cima


Não demorou muito, Marinho Chagas foi para o Riachuelo. Aliás, ele e os irmãos - "João (Batista, hoje advogado) era lateral direito, Clodoaldo era atacante, Toinho era volante, Bomba também era atacante". Só faltou Dedeca, mas ele estava no Alecrim. Considerando que o Riahcuelo era o time da Marinha, os treinos tinham lugar no então Centro de Instrução Almirante Tamandaré (o CIAT, nas Quintas, que ainda hoje muitos pronunciam "ceiatê"; é o atual grupamentos dos Fuzileiros Navais)

Mas Marinho não começou jogando de cara. No princípio foi apenas gandula; depois, o dirigente-tenente Antônio de Castro e o técnico Jorge Level (já falecidos) deram-lhe uma chance na equipe de juvenis - depois destes dois, ainda vieram o Sargento Oliveira e Pedro Quarenta (que Marinho só chama de "Pedro Quarentena"...). O rapazinho jogava com as chuteiras dos irmãos...

A grande e defintiva oporunidade foi dada por Oziel Lago. Foi uma questão circunstancial: certa vez, faltou um lateral para o coletivo, e Oziel pediu um jogador do Sargento Oliveira, que apontou logo para Marinho - "'Tem o Marinho, irmão de Bomba... está doio para jogar, e joga em quauqer posição', disse o sargento. Mas eu era centro-avante!" Não teve jeito, Recebeu a camisa 6. "Fiquei driblando o outro lateral, que era rápido e habidoso". Oziel não teve dúvidas: fixou Marinho na lateral esquerda.

Mais quatro jogos pelos juvenis se passqram depois deste momento, quando foi chamado para a concentração com o time profissional - ao lado de jogadores como Floro, Nino, Orlando, Jácio Salomïo, Talvanes, Zé Gobard, William, Zezé, Cocó e Ferreira. "Eu tinha apenas 16 anos! Fui pego de surpresa". Era o ano de 1969. Missão: substutuir um lateral que vinha da Paraíbas nas não veio, e enfrentar o ABC, que estava formando um esquadrão - "Era o ABC com Alberi (mais tarde denominado o Rei do Castelão, hoje Machadão), Ribamar goleiro, Piaba, Gaspar, Ivan Matos, Otávio, Esquerdinha, João Galego, Petinha, Alberi, Burunga... entrei de cara!" E deu certo.

ABC, Náutico e Botafogo


No ano seguinte, já estava no ABC, por insistência de Zumba, massagista do Riachuelo - e que, digamos, atuava como "espião", já que ele sempre no antigo lojão de baterias de José Prudêncio Sobrinho (dirigete do ABC, já falecido), sugerindo que o alvinegro contratasse Marinho... Um dia, o "Velho Pruda" se rendeu. Mas, como pagar o passe? em princípio, seria a renda de uma partida. Na ocasião, além de Marinho, William seria negociado para o clube alvinegro. "Só que o dia da partida choveu, não teve renda... fomos negociados por meiões e chuteiras!"

O técnico do ABC, quando chegou, era Álvaro Barbosa. Não demorou muito, foi sucedido por Caiçara - "Ele (Caiçara) sempre me incentivou. Nunca havia parado aites para pensar nisso.. eu era reserva de Sidão e Otávio", - é que um não admitia ser reserva do outro... mas um dia a chance de Marinho chegou. "Teve um amistoso em Fortaleza, o ABC ia jogar contra o Ceará, Sidão estava com febre e Otávio com Diarréia. Eu tive que jogar. Piaba e Ivan Matos diziam a Caiçara 'Bote o menino!'" Resultado: Marinho ganhou um rádio de pilha, o prêmio para os destaques, e começou a se firmar no ABC. Quando viu, estava com a faixa de campeão potiguar de 1970.

Ainda em 1970 foi para o Náutico-PE. "Eu e Petinha, fomos emprestados por três meses. Todos achavam que Petinha ia ficar no Náutico, ele tinha mais nome que eu". O que fez no ABC, repetiu no Náutico. Foi escolhido como revelação no futebol pernambucano. A "Bruxa" acabou ficando em Pernambuco.

Em 1972, participou da Taça Brasil, onde em dada ocasião houve um quadrangular com o Náutico, o Santa Cruz, o Sport e o Botafogo-RJ. "Só tinha gente grande na arquibancada, como o (João) Saldanha". Quando viu... "Começaram a me chamar de Canhïo do Nordeste". Não esquentou canto no Timbu pernambucano: foi emprestado ao Botafogo-RJ por três meses.

"Era o Botafogo de Brito, Jairzinho, Nêgo Conceição, Paulo César Caju... estreei contra o Santos no Campeonato Brasileiro! Fiz um gol. 1 a 1, o gol do Santos foi de Edu. E pensar que tinha gente que achava que eu voltaria logo ao Nordeste...". Para encurtar a história: o Botafogo foi vice-campeão brasileiro, e mais tarde foi bicampeão carioca - e, no caso de Marinho, o que começou com três meses de empréstimo terminou com um contrato de cinco anos.



Para os atacantes, um demônio


Lembremos que Marinho Chagas era lateral. Só que a influência das peladas em Natal - onde era inicialmente atacante - era forte. E quando menos esperava... peraí, o que aquele lateral está fazendo no ataque??? Alguém segure esse homem!

A estreia no Botafogo não foi exatamente em terras brasileiras, e sim lusitanas - garante o ex-craque. Foram os atletas do Benfica, em um torneio internacional, que sentiam o poder da "Bruxa". A ordem era apenas "ficar plantado" e marcar Jordão, um dos maiores ponta-direita de Portugal. Disseram-lhe que o tal Jordão era muito rápido e perigoso. "Peguei esse cara, peguei a bola e..." Peeeegue! O potiguar, apesar de não ser Garrincha, tinha facilidade de driblar. O perigosíssimo Jordão virou presa fácil nas mãos da "Bruxa"!

"Eu dizia 'me dá a bola' 'Tá doido?' 'Me dá a bola, rapaz!' e me davam, e aí eu partia pra cima do ponta, pra cima dele. Dei logo um drible nele e saí jogando, ele veio atrás de mim. driblei outro cara... e o treinador do outro time gritando 'Segurem o galego!' Aí comecei a atacar, atacar... O Botafogo sempre entrando bola do meu lado, o lado do Valterci era mais marcador". A ousadia de Marinho forçou o Botafogo a um reposicionamento tático - "Tim (na ocasião treinador; já falecido) dizia 'Bote em cima dele e deixe avançar; Carlos Alberto, fique na cobertura de Marinho; e Nei, fique na posição de Carlos Alberto, por você ser mais habilidoso no meio'. Final, 1 a zero, gol de Jairzinho. "Aí fomos para uma final contra o Bayern de Munique, com Beckenbauer, Gerd Muller, Vogts, (o goleiro) Sepp Mayer, a base da seleção (alemã) daquela época, e fomos campeões", jurou. Era só - só! - a base da seleção que seria campeã mundial em 1974...

Na volta ao Brasil, o time da estrela solitária teve que fazer algumas mudanças táticas. Não havia jeito de fixar Marinho como marcador - quem ficava para morrer era um outro jogador, Carlos Alberto... o clube contratou Dirceu "Dirceuzinho" Guimarães, para ficar na cobetura de Marinho, E assim foi caminhando o Botafogo.


A "Bruxa" solta na Seleção


Marinho estava no alvinegro carioca quando foi convocado pela primeira vez à Seleção Brasileira. Foi em 1973. O homem tremia: foi informado por um dono de um botequim onde havia parado com a esposa ("Dona" Marijara, com quem foi casado por mais de 30 anos). O rádio AM (sim, AM!) estava a todo volume.

"Zagallo (Mário Jorge Lobo Zagallo, técnico do Brasil nas Copas de 1970 e 1974) foi dando a escalação... a imprensa dizia 'Você vai ser convocado, vai ser reserva de Marco Antônio', e eu não acreditava, pois além de Marco tinham Rodrigues Neto, Alfinete (do Vasco), Bezerra (do São Paulo), Vacaria (do Internacional), um monte de laterais bons.. e eu, ali, chegando ao Botafogo, estava começando ainda.". Daí a pouco ecoou no rádio "'.. Marinho, do Botafogo!'" Eu gelei, fiquei nervoso, quase morri, me emocionei. Chorei!"

Aliás, não foi só no Botafogo que tentaram fixar Marinho como marcador na lateral. Na Seleção também - sem sucesso. "Zagallo dizia 'Não avance muito, porque só temos um cabeça-de-área..." Ainda assim, foi convocado mais algumas vezes, durante três anos. Em uma destas chamadas, foi parar na Alemanha: participou da Copa de 1974; e em meio a uma partida (mais precisamente, Brasil 0 x 1 Polônia) levou um esporro homérico do goleiro Leão (Emerson Leão, hoje técnico) - quase certo por esta sua característica de não se restringir à marcação, ir além e sair driblando.



Um segredinho de craques


Lateral ou atacante? Que danado era Marinho? O homem deixou escapar, certa vez, um segredo seu. "Essa bola moderna, se era naquela época, seria muito mais fácil para mim! Quando eu `puxava' para o meio, eu 'pegava de três dedos' e quando eu batia (a bola) fazia aquela curva natural por causa do ângulo" - se você já ouviu falar em bola com efeito, aí está - "Quando eu 'puxava' tinha que bater: se eu batia no meio da bola, ela ia para a lateral, e de três dedos, curvado, ela fazia a curva e o goleiro já ia lá do outro lado..."

Era preciso Marinho fazer isto. Afinal, era lateral esquerdo mas chutava com o pé direito, daí estes detalhes. "Foi assim que eu fiz muito gol com a ajuda de Dirceuzinho. Ele dava (a bola) para trás, eu vinha correndo e batia de três dedos..."


O resto da história


Mas, voltando à trajetória... e depois de 1974? Bem, em 1977 Marinho foi para o Fluminense. Calcula que enre 1977 e 1978 fez 28 gols. Garantiu que não foi à Copa por pirraça da comissão técnica - "Fui para uma copa em Goiás... fui artilheiro, e Sebastião Araújo (assistente de Cláudio Coutinho, então técnico da Seleção) disse 'Marinho tá voando', e ele (Coutinho) disse 'Não, vou levar Edinho'" - Edinho, aliás, improvisado na posição. "São essas coisas que acontecem no futebol...", lamentou.

Em 1979 foi para os Estados Unidos, onde jogou pelo Kosmos de Nova Iorque (onde estiveram, entre outros, Beckenbauer, Pelé e Carlos Alberto) e num time chamado Starker - ``Eu não sabia falar nada de inglês! Só treinava e jogava bola, pronto".

Em 1980 já estava de volta ao Brasil, agora pelo São Paulo, de onde guarda várias lembranças - "O time foi bicampeão paulista. Valdir Perez, Getúlio, Oscar, Daryo, Almir, Mário Sérgio, Paulo César, Renato, Serginho Chulapa... o técnico era o Carlos Alberto Silva''. E, de novo, a Seleção lhe "escapou".



"Eu tinha tudo para ir à Espanha'82, acabei ficando no Brasil... o Telê Santana (técnico da Seleção à época) me decepcionou muito, pois eu fui lateral esquerdo do ano pelo São Paulo, bicampeão paulista, vice-campeão brasileiro, Bola de Prata pela (revista) Placar... todo mundo sabe que eu seria titular, mas quatro pessoas me tiraram da seleção" - por favor, não peçam nomes, tem gente que não merece!

"Chegaram para Telê e disseram 'Marinho não vai querer ser reserva de Júnior, vai ter aquela confusão dentro da Seleção...' Ao contrário, eu estava mais experiente e tranquilo. Só em ser convocado, ficar no banco... quem ia dizer (quem seria titular) era o treinador! O treino é que ia dizer!" As não-convocações de 1978 e 1982 foram duas grandes decepções.

Marinho ainda passou pelo Bangu-RJ. O último clube onde jogou foi o América-RN - "Isso já em 1986, foi pouco tempo. Aí eu parei de vez. Quando encerrei o futebol, vivia de renda".

Tentou alguns negócios. Sem sucesso. Até "atacou" de técnico - na virada do milênio, passou um curto período no Alecrim. Não deu, paciência. Hoje tem uma pousada na Redinha, onde mora há um bocado de tempo, e buscava movimentar um clube, o Marinho Beach, pertinho da Redinha Nova. Quer se manter ativo, se ocupar, até em pensamento.

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